quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Pedofilia

Lúcia chegou em casa se sentindo um lixo. Os olhos escuros por trás das lentes grossas dos óculos estavam cheios de lágrimas. Por que todos a tratavam assim?! Por que todos riam de seus quilos a mais, de seus óculos, de sua voz rouca? Por que não iam todos pro inferno e a deixavam em paz?

Nem prestou atenção à empregada que lhe perguntou o motivo das lágrimas. Foi para o quarto e trancou a porta. Droga de mundo, droga de vida, droga, droga droga! Correu para a cama, deitou-se de bruços e pegou o laptop na mochila. Precisava agora de uma dose da única coisa que a fazia sentir-se bem. De sua droga, seu vício. Precisava dele.

Ligou o MSN e entrou. Tinha centenas de contatos. Mas quase todos estavam bloqueados desde que o conhecera. Quando entrava na internet só tinha tempo pra uma pessoa: ele. Era ele que a fazia se sentir feliz, segura, bonita, inteligente, feminina, sofisticada, adulta. Era ele que tinha tempo pra ouvir seus problemas e confortá-la.

E foi ele quem veio chamá-la mal ela acabou de fazer login:

oi meu anjo

oi amore
td bem?

sim e vc?

+ ou -

pq?

pessimo dia na escola
mas naum quero fl disso tah?
 
tah bom
sabe o q eu tava fazendo agora?
 
naum
me conta

tava lendo o poema q vc me escreveu
ouvindo a nossa musk
e sonhandu ctg

oooh ti lindu... *.* 

serio

^^

escuta
qdo a gent vai c ver?

qdo vc qzer

hum...
q tal amanha?

pod c...
no shopping?

ql shopping?

o eldorado

perfeito
q tl as 6 e meia?

blz
aih a gent pega 1 cine, q tal?

aham

vc jura q vai?

quem jura mente
eu prometo
e cumpro
mas agr me conta
o q foi q as mocreias da sua eskola t fizeram hj?
qro saber pq vo matar tds elas

A partir daí eles conversaram sobre os problemas dela. Incrível como ele conseguia entendê-la e apoiá-la... mesmo morando do outro lado da cidade, ele a amava. Mesmo nunca tendo visto sua foto. Céus, como adorava aquele garoto! Não se parecia em nada com os pivetes imaturos de seu colégio...

E quando as lágrimas banharam seu rosto novamente foram lágrimas de felicidade. Quando ele disse que por ela cometeria as maiores loucuras, que seria capaz de desistir até da própria vida, Lúcia não se conteve e começou a chorar.

Dessa vez vai ser diferente, pensou ela. Dessa vez eu tenho certeza. Se não for ele, não vai ser mais ninguém.

***********

Estava no estacionamento, terminando seu milk-shake. Não aguentara a ansiedade, e fora para o local combinado quase uma hora mais cedo. Era o terceiro copo que bebia, e ele ainda não aparecera. Começou a lamber a cobertura de chocolate no canudo grosso, pensativamente. Não tinha coragem de olhar no relógio. Não sabia o que seria pior, saber que ainda faltava muito tempo para ele chegar, ou descobrir que estava terrivelmente atrasado e provavelmente não viria. Suas mãos suavam frio e seu coração disparava toda vez que um rapaz passava perto ou parecia vir em sua direção. Estava curiosa e aterrorizada. Conhecer um cara assim não era lá uma coisa muito legal, disso ela sabia. Tivera outras experiências não muito animadoras... quando a viam, os meninos simplesmente davam-lhe as costas e iam embora, para depois excluí-la de suas listas de contatos na internet. Mas algo lhe dizia que dessa vez não seria assim.

E não foi. Quando estava considerando seriamente a possibilidade de ir embora, ouviu uma voz masculina e forte, um pouco mais grave do que imaginara:

- Lúcia?

Virou-se devagar, como num sonho. Um sorriso abriu-se em seu rosto ao vê-lo. Pouco lhe importava o fato de que parecia ter uns doze ou quinze anos a mais que ela. Pouco lhe importava a chave do carro na mão, prova de que não queria pegar um cinema e sim sair dali o mais rápido possível. Pouco lhe importava o olhar faminto, quase predador, que percorria seu rosto rechonchudo e infantil e seu corpo de adolescente. Só lhe importava que estava ali, sorrindo, os braços meio afastados do corpo como se a convidasse timidamente para um abraço. Estava ali e era dela. Todo dela. Pertencia-lhe de corpo, alma e coração...

************

- No rio Pinheiros, você disse? - perguntou a mulher ao seu esposo, enquanto arrumava o cobertor sobre a cama deles.
- Pois é. Negócio esquisito... - confirmou ele. Pegou o uniforme do IML, que deixara largado no chão ao ir tomar banho e levou-o para o cesto de roupa suja. Voltou logo depois, para terminar de contar a história macabra - o rapaz tinha uns trinta anos mais ou menos, pelo que deu pra ver. Eu nem quis mexer, já me basta de defunto, ainda mais defunto fedido daquele rio podre. Mas o Agnaldo disse que tava com documento, um celular caro pacas e dinheiro pra caramba no bolso.
- Nossa!
- E sabe o que é mais esquisito?
- O quê?
- Tava com um rombo no peito. Parece que arrancaram o coração dele...

Um comentário:

Adriana Rodrigues disse...

Lembro desse texto. Em uma palavra: eeeeew.