quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Diário de bordo - compilação dos manuscritos de Gabrielle Cavalcanti

Ano de 2915. Devido às ações dos seres humanos, a Terra tornou-se um lugar desértico, onde largas extensões de terreno árido e estéril se contrapõe a geleiras de água poluída e pântanos sulfurosos. Os sobreviventes se reúnem em torno de pequenos oásis, tentando cultivar a terra seca, agarrando-se desesperadamente à vida. Uns poucos se arriscam, e saem em busca das terras férteis de que falam as lendas, mas são exceções. Todos têm medo de se aventurar no Grande Deserto. Ou quase todos...

Meu nome é Gabrielle Cavalcanti. Tenho 18 anos, sou órfã de pai e mãe, e tudo o que me resta de "família" é um rapaz da minha idade, que porta nas veias a mesma maldição que esta que vos fala. Leonardo é a única pessoa que me entende e que me apóia. E eu o adoro do fundo do coração por isso.

Leonardo Whitney é meu amigo e cúmplice desde que "a praga" levou nossos pais. Uma doença misteriosa que abateu os da minha raça, um a um. Restamos apenas nós dois, que ainda não tínhamos começado a transformação, ambos com 12 anos. Desde então somos uma equipe. Nossas brigas são freqüentes, mas não sabemos viver um sem o outro...

Melhor não me perder em reminiscências. Vou contar os fatos, e você que chegou a essas linhas, tire suas próprias conclusões.




Todos nos temiam. Afinal, boa parte deles, apesar de não saber de nossas... hum... "necessidades alimentares especiais", conheciam nossa fama, de sermos os assassinos mais eficientes do deserto. Tirar vidas humanas era o nosso sustento. Éramos, modéstia à parte, os melhores do deserto. Respeitados e temidos onde quer quer o vento quente das tempestades de areia levasse nossos nomes.

Mas tudo mudou quando o governo descobriu o que realmento somos. Tivemos que fugir do pequeno oásis-cidade em que vivíamos, e é por isso que você vai nos encontrar em cima de um quadriciclo, a caminho do desconhecido, tendo por guias uma bússsola, um mapa de fontes duvidosas e nossa convicção de que as lendas eram verdadeiras. Levávamos mantimentos, e também uma gaiola com alguns roedores do deserto, bichinhos de orelhas compridas, pêlo cor de areia, olhos negros e bigodes compridos como os dos felinos. Usávamos aqueles animais para aplacar a sede de sangue, quando ela se avolumava a ponto de se tornar insuportável. Era fácil e prático usar aqueles animais, já que eles se reproduziam rápido e tinham ninhadas grandes. Mas como eu tivera uma crise de abstinência alguns dias atrás, só tínhamos dois casais de bichinhos.

- Leo... - eu disse, baixinho, mas como o motor movido a bateria solar fazia apenas um zumbido baixo, ele ouviu, e resmungou para me incitar a prosseguir - quando vamos parar?
- Só quando o Sol se pôr.

Eu suspirei, e encostei a testa na nuca dele. Leonardo acelerou mais.

- Acha que vamos encontrar alguma coisa? - perguntei, e ele deu um peteleco na bússola presa ao guidão:
- Dizem que existe um oásis grande ao norte. Se existe mesmo, vamos achá-lo.
- Tem certeza?

Ele poderia ter respondido algo do tipo: "não, mas se não existir, vamos morrer de fome". Mas riu e disse:

- Não acredito que você ainda duvida da minha intuição.

Eu também ri.

- Você sempre sabe o que dizer pra me animar, não é?
- Esse é o meu trabalho, chefinha.

Não nos falamos mais, até o sol descer no horizonte. Quando isso aconteceu, paramos, armamos nossa barraca, comemos um pouco da comida desidratada e fomos dormir.


Nos dias que se seguiram, não ocorreu nada digno de nota, além de Leo ter uma leve "crise" e matar três roedores. Nada de mais, durante três dias nossa rotina se resumiu a acordar, levantar acampamento, vestir as roupas de proteção contra o sol, pé na estrada, parar à noite, comer, dormir. Durante o dia, conversávamos mais para exercitar a fala do que por ter assuntos realmente. Aquilo me deprimia tanto...

Mas fazer o quê? A viagem continuou, e com ela, nossas esperanças de encontrar um lugar melhor aumentavam mais e mais, impulsionadas pela brisa cada vez mais fresca, pelo sol cada vez menos intenso e a areia cada vez menos seca. Continuamos...





Espreguicei-me lentamente, esticando braços e pernas e arqueando a coluna, fazendo as articulações estalarem. Suspirei e sentei-me com um largo sorriso no rosto. Não dormia tão bem desde que meus pais tinham morrido. Leo já tinha levantado, óbvio, ou eu não teria espaço para me esticar daquele jeito. Peguei as roupas de proteção e saí.

Leo estava sentado sobre o quadriciclo, meio vestido, as sobrancelhas contraídas, o olhar fixo no nada. Ele usava as calças e botas necessárias para a sobrevivência na aridez desértica, mas a camiseta encardida era leve e sem mangas. Apesar de dormimos lado a lado todas as noites (e até mesmo abraçados, quando os cobertores não conseguiam afastar de todo o frio da madrugada), jamais tínhamos nos tocado com mais intimidade que dois irmãos. E naquele momento, ao vê-lo com os músculos à mostra (ele não tinha muitos, mas os que tinha eram bem definidos), as feições recortadas contra o sol nascente, senti o coração disparar, as mãos suarem e e o sangue aflorar ao rosto.

"Controle-se, Gabrielle!", eu disse a mim mesma, decidida. "Isso é uma reação perfeitamente normal, já que você é uma mulher, ele é um homem e os dois são adultos. É tudo biologicamente explicável!"

- Leo? - chamei, insegura - aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu, Gab. Dá uma olhada nisso.

Ele tirou alguma coisa do bolso, e jogou para mim. Peguei ainda no ar, e quando olhei, reconheci a tira de couro que antes prendia a bússola ao quadriciclo. Fora visivelmente cortada.

- Mas... - balbuciei, desconcertada - mas... mas como?!
- Aí é que está - ele murmurou sombriamente - nós notaríamos se alguém se aproximasse a ponto de cortar isso e levar nossa bússola.
- E não foi um animal - examinei o corte no couro curtido - a marca é de um golpe só, preciso, de faca bem afiada. Será que foi um ladrão?
- Nossa comida, nossa água, ferramentas, baterias de reserva e carregadores estão todos nos lugares. E se fosse um ladrão, teria levado o quadriciclo, que é o mais valioso de tudo. Pelo visto, só querem que a gente se perca, porque nossos mapas também sumiram.
- Droga. Você viu pegadas?
- Não. Andei uma boa distância em torno daqui, e não vi pegadas em lugar nenhum. Mas não tem problema, a gente se orienta pelo sol. Só o que temos a fazer é ir para o norte.

Assenti. Leo desceu do quadrciclo, pegou a jaqueta e a capa, e me beijou no rosto.

- Anda, pequena. Veste logo as suas roupas, que eu vou desmontar a barraca.
- Tá bom.

Peguei minhas "roupas de guerra", mas antes de vesti-las, olhei uma última vez para a tira de couro cortada. Quem quer que tivesse feito aquilo, queria que encontrássemos aquela pista. Não havia outro motivo para deixar para trás uma prova tão óbvia, além de talvez a pressa. Mas quem tinha tempo para apagar pegadas...

Sacudi a cabeça, larguei a "prova do crime" na areia seca e me vesti. Teríamos um longo dia pela frente.




Insônia. Eu devia ter suspeitado que aquela noite de sono deliciosa e ininterrupta era a calmaria antes da tempestade, como o mormaço quente que precedia as ventanias furiosas do deserto. Quanto mais me revirava, tentando conciliar o sono, mais distante ele parecia. Leo, que não tivera o mesmo azar, ressonava baixinho.

Suspirei muito profundamente e virei-me de costas para ele. A areia macia sob o fundo de tecido da barraca sempre fora um ótimo colchão, mas subitamente eu tinha começado a achar desconfortável. Praguejei, e tornei a me virar de frente para Leonardo. Levei um susto ao encontrá-lo de olhos abertos.

- Dá pra sossegar e me deixar dormir, Gabrielle?
- Bem que eu tô tentando!
- Não parece!
- Cala a boca e me deixa dormir, Leonardo!
- Cala a boca você, que começou com isso!
- Mentira!

Ele inspirou profundamente, fechou os olhos e pareceu contar até dez. He, he, he. Eu conheço meu amigo... no meio de uma discussão acalorada, o melhor modo de fazê-lo se calar para não trucidar o interlocutor era disparar um veemente grito de "mentira!" no meio da briga. Quando ele finalmente se controlou, abriu os olhos e me encarou com uma expressão zombeteira:

- Pelo visto, só tem um jeito de calar essa sua boca.

Leo me puxou pela cintura e me beijou.

Anote aí: até os dezoito anos, três meses, cinco dias, dezessete horas e quarenta e dois minutos de vida, Gabrielle Cavalcanti nunca tinha sido beijada. Patético, eu sei. Ridículo, eu sei. Mas digamos que com a vida que eu levava, era meio complicado arranjar um namorado...

Então. O beijo. Nem sei descrever o que foi que me passou pela cabeça, se é que passou alguma coisa. Senti-lo assim tão perto... eu nunca o tinha abraçado daquele jeito, nunca o tivera tão perto, nunca tinha sentido seus lábios nos meus...

Mas subitamente nos afastamos, e nossos olhos se encontraram.

- Você sentiu? - ele perguntou, num sussurro, e eu confirmei.
- Está perto. O que quer que seja, está perto.

Nos sentamos na barraca, sem fazer ruído. Fiz meus olhos cintilarem, e passarem do azul-escuro ao rubro. Imediatamente, o interior da barraca tornou-se mais claro. Agucei a audição, enquanto Leo fazia o mesmo. O vento soprava forte. Era um grito horrendo, alto e ensurdecedor, que só podia significar uma coisa...

- TEMPESTADE DE AREIA!

Nos precipitamos para fora da barraca, levando o que deu: roupas emboladas, a gaiola dos mascotes, uma coberta. Montamos no quadriciclo, e Leo deu a partida. Nada.

- Funciona, porcaria, FUNCIONA! - olhamos para a direção de onde vinha o rugido do vento. A tempestade se avolumava, crescia, avançava. Leo saltou do veículo e agarrou meu braço - vem, Gab!

Puxou-me para baixo, e desatamos a correr para o mais longe possível de nossas coisas, que o vento com certeza jogaria sobre nós. Quando o choque da tempestade derrubou-nos de bruços no chão, Leonardo cobriu nós dois com a manta espessa de lã, me abraçou com força e ficou imóvel sobre mim. De olhos fechados, eu podia ouvir seu coração disparado e sentir sua respiração rasa e cheia de medo. O ruído do vento sobre nós era quase tão assustador quanto os pesadelos que eu tinha com a morte dos meus pais. Meu coração parecia querer sair pela boca, o ar faltava, os tímpanos doíam e a cabeça latejava. Aquilo era o próprio inferno...

E tudo apagou.





Acordei, mas não abri os olhos. Estava tudo tão confuso...

Lembrei-me de Leonardo. Do desmaio. Da tempestade. Do beijo. Só não me lembrava do motivo de estar numa cama macia, forrada com lençóis limpos e perfumados.

Sentei-me na cama, e olhei em redor. O quarto era espaçoso e arejado, com paredes de um amarelo suave, móveis de ótimo gosto e um enorme espelho de moldura dourada.

Levantei, me perguntando que diabo de lugar era aquele. Meus pés tocaram a pedra fria do chão, comprovando que não era um sonho. "Será que eu morri?", pensei, indo até o espelho.

Eu parecia a mesma de antes. Os cabelos encaracolados e curtos tingidos de rosa-chiclete (será que o cabelo continua tingido depois que morremos? Acho que não, então estou viva), os olhos de um azul tão escuro que se aproximavam do violeta, mas o que me surpreendeu foi que pela primeira vez na vida eu estava me vendo com roupas bonitas e femininas. Enquanto dormia, tinham me banhado e me colocado um vestido branco, longo, com um decote em "v" modesto. Se Leo me visse daquele jeito...

Esse pensamento me arrastou para a realidade. Eu tinha que sair daquele quarto, achar Leonardo, e...

- Gab, você acordou!

Era ele que entrava no quarto. Se já fiquei surpresa por vê-lo, fiquei ainda mais ao notar que usava roupas limpas e que tinha tomado banho, assim como eu. Também estava descalço, vestia camisa e calças brancas, realçando ainda mais o negro-azulado de seus cabelos lisos presos para trás. Seus olhos verde-esmeralda brilhavam animados, um sorriso vitorioso nos lábios.

- Leo, que raios tá acontecendo aqui?
- É uma história longa. Vem comigo, Gab.





Eram humanos. Deveria haver uns oitocentos, talves até mil, e nos veneravam como a deuses. Não falavam o dialeto do deserto (uma mistura desconexa de várias línguas antigas), e sim o puro portugês abrasileirado, assim como nós. Foram eles que roubaram nossos meios de orientação, por temerem que fôssemos mercenários à procura de escravos. Mas quando descobriram que éramos vampiros, ficaram extasiado. Éramos os "enviados", como Leo explicou, citados em uma profecia antiga, que falava sobre a praga que dizimara nossas famílias. Falava das guerras que destruíram o meio ambiente e as cidades, dizendo que, paradoxalmente, aqueles conflitos eram necessários para conter a ambição dos seres humanos e dar à mãe natureza os preciosos anos para se recompôr dos danos a ela causados nos últimos milênios. E dizia que quando tudo parecesse perdido, surgiriam duas crianças vindas das trevas e do deserto, que os conduziriam à grandeza, à paz e ao progresso.

- E essas crianças somos nós?! - perguntei, quando ele acabou de me explicar. Estávamos num terraço, sob a luz do sol poente, vendo a movimentação da "cidade" lá embaixo. O lugar em que estávamos era um palácio antigo, no alto de uma colina, e tinha uma visão privilegiada do povoado - Absurdo!
- Absurdo ou não, eles acreditam nisso. Pense nas possibilidades! Nós podemos reerguer essa terra, podemos viver em paz com os humanos, podemos começar uma era diferente. Gab, podemos trazer progresso e beleza a esse lugar.

Debrucei-me no balaústre do terraço, e olhei para aquela terra estranha que nos tinha acolhido. As construções eram baixas e pintadas de branco, para refletir a luz do sol. Os pequenos lagos aqui e ali serviam de bebedouro aos animais e de recreação para as crianças. Mulheres com túnicas coloridas puxavam água nos poços. Ao longe, pessoas cultivavam a terra. Senti meus olhos se encherem de lágrimas, ao me lembrar das fotos que mamãe me mostrava, do século XX. Água em abundância, verde, felicidade...

- Leo...

Ele me abraçou, e apoiou o queixo em meu ombro.

- Diga.
- Quanto tempo a Dinastia de Drácula levou para erguer seu império?

Sua risada rouca e profunda me fez chorar mais ainda em silêncio.

- Em torno de cinco séculos. E eles governaram por mais de dois milênios.
- Por quanto tempo nossa dinastia vai durar?
- Durará tanto quanto meu amor por você, Gabrielle - ele me virou para si, e enxugou minhas lágrimas - para sempre.

Pedofilia

Lúcia chegou em casa se sentindo um lixo. Os olhos escuros por trás das lentes grossas dos óculos estavam cheios de lágrimas. Por que todos a tratavam assim?! Por que todos riam de seus quilos a mais, de seus óculos, de sua voz rouca? Por que não iam todos pro inferno e a deixavam em paz?

Nem prestou atenção à empregada que lhe perguntou o motivo das lágrimas. Foi para o quarto e trancou a porta. Droga de mundo, droga de vida, droga, droga droga! Correu para a cama, deitou-se de bruços e pegou o laptop na mochila. Precisava agora de uma dose da única coisa que a fazia sentir-se bem. De sua droga, seu vício. Precisava dele.

Ligou o MSN e entrou. Tinha centenas de contatos. Mas quase todos estavam bloqueados desde que o conhecera. Quando entrava na internet só tinha tempo pra uma pessoa: ele. Era ele que a fazia se sentir feliz, segura, bonita, inteligente, feminina, sofisticada, adulta. Era ele que tinha tempo pra ouvir seus problemas e confortá-la.

E foi ele quem veio chamá-la mal ela acabou de fazer login:

oi meu anjo

oi amore
td bem?

sim e vc?

+ ou -

pq?

pessimo dia na escola
mas naum quero fl disso tah?
 
tah bom
sabe o q eu tava fazendo agora?
 
naum
me conta

tava lendo o poema q vc me escreveu
ouvindo a nossa musk
e sonhandu ctg

oooh ti lindu... *.* 

serio

^^

escuta
qdo a gent vai c ver?

qdo vc qzer

hum...
q tal amanha?

pod c...
no shopping?

ql shopping?

o eldorado

perfeito
q tl as 6 e meia?

blz
aih a gent pega 1 cine, q tal?

aham

vc jura q vai?

quem jura mente
eu prometo
e cumpro
mas agr me conta
o q foi q as mocreias da sua eskola t fizeram hj?
qro saber pq vo matar tds elas

A partir daí eles conversaram sobre os problemas dela. Incrível como ele conseguia entendê-la e apoiá-la... mesmo morando do outro lado da cidade, ele a amava. Mesmo nunca tendo visto sua foto. Céus, como adorava aquele garoto! Não se parecia em nada com os pivetes imaturos de seu colégio...

E quando as lágrimas banharam seu rosto novamente foram lágrimas de felicidade. Quando ele disse que por ela cometeria as maiores loucuras, que seria capaz de desistir até da própria vida, Lúcia não se conteve e começou a chorar.

Dessa vez vai ser diferente, pensou ela. Dessa vez eu tenho certeza. Se não for ele, não vai ser mais ninguém.

***********

Estava no estacionamento, terminando seu milk-shake. Não aguentara a ansiedade, e fora para o local combinado quase uma hora mais cedo. Era o terceiro copo que bebia, e ele ainda não aparecera. Começou a lamber a cobertura de chocolate no canudo grosso, pensativamente. Não tinha coragem de olhar no relógio. Não sabia o que seria pior, saber que ainda faltava muito tempo para ele chegar, ou descobrir que estava terrivelmente atrasado e provavelmente não viria. Suas mãos suavam frio e seu coração disparava toda vez que um rapaz passava perto ou parecia vir em sua direção. Estava curiosa e aterrorizada. Conhecer um cara assim não era lá uma coisa muito legal, disso ela sabia. Tivera outras experiências não muito animadoras... quando a viam, os meninos simplesmente davam-lhe as costas e iam embora, para depois excluí-la de suas listas de contatos na internet. Mas algo lhe dizia que dessa vez não seria assim.

E não foi. Quando estava considerando seriamente a possibilidade de ir embora, ouviu uma voz masculina e forte, um pouco mais grave do que imaginara:

- Lúcia?

Virou-se devagar, como num sonho. Um sorriso abriu-se em seu rosto ao vê-lo. Pouco lhe importava o fato de que parecia ter uns doze ou quinze anos a mais que ela. Pouco lhe importava a chave do carro na mão, prova de que não queria pegar um cinema e sim sair dali o mais rápido possível. Pouco lhe importava o olhar faminto, quase predador, que percorria seu rosto rechonchudo e infantil e seu corpo de adolescente. Só lhe importava que estava ali, sorrindo, os braços meio afastados do corpo como se a convidasse timidamente para um abraço. Estava ali e era dela. Todo dela. Pertencia-lhe de corpo, alma e coração...

************

- No rio Pinheiros, você disse? - perguntou a mulher ao seu esposo, enquanto arrumava o cobertor sobre a cama deles.
- Pois é. Negócio esquisito... - confirmou ele. Pegou o uniforme do IML, que deixara largado no chão ao ir tomar banho e levou-o para o cesto de roupa suja. Voltou logo depois, para terminar de contar a história macabra - o rapaz tinha uns trinta anos mais ou menos, pelo que deu pra ver. Eu nem quis mexer, já me basta de defunto, ainda mais defunto fedido daquele rio podre. Mas o Agnaldo disse que tava com documento, um celular caro pacas e dinheiro pra caramba no bolso.
- Nossa!
- E sabe o que é mais esquisito?
- O quê?
- Tava com um rombo no peito. Parece que arrancaram o coração dele...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Introducing Miss Angel

Já me perguntaram o motivo do nome do meu blog, "Anjo das Trevas". Na verdade, o anjo a que me refiro não sou eu. Foi um anjo que surgiu na minha vida, fruto da minha mente perturbada, alguns outdoors de filmes de terror e noites insones escrevendo. Um anjo sempre presente em minha mente, junto com o qual eu já sorri, comemorei, chorei e sofri. Apresento-a agora a todos, meu personagem mais amado: Angel.


Guerreiros nas Sombras

I

Lembrança de um beijo


Angel abriu o diário e releu o primeiro parágrafo daquele dia, três anos atrás, 13 de maio, sexta-feira...

“Querido diário, hoje é um dia muito especial pra mim. O Mauro me convidou pra sair!”

Fechou os olhos. Lembrava-se como se fosse segundos antes...

Naquela época, Anna Carolina ainda não era Angel. Era uma menina de 15 anos, rosto rosado, grandes olhos verdes muito claros e longos cabelos negros. Ingênua e romântica, estava completamente apaixonada pelo garoto novo do bairro, mesmo conhecendo-o há apenas dois meses. Absolutamente inexperiente no que dizia respeito aos garotos, estava sentindo o gosto meio doce, meio amargo, do primeiro amor. Pensava nele o tempo todo, chegava a ignorar as amigas e a família... Nem sabia como Mauro tinha reparado nela, já que só conseguia ficar sem fala e vermelha quando olhava para o rapaz; mal conseguira dizer seu nome quando ele perguntou. Dois dias antes, ele simplesmente se aproximara quando estava voltando da escola e perguntara se ia fazer algo na sexta à tarde. Ao sacudir nervosamente a cabeça, surpreendeu-se: Mauro segurou sua mão trêmula e perguntou se queriam ir ao cinema. Sim, “queriam”, afinal, Marcello Gattai fazia o tipo paizão ciumento, e nunca deixaria sua menininha sair com um garoto se não levasse ao menos a irmã mais nova junto. Depois de muita insistência e de garantir que Júlia iria junto, recebeu autorização dos pais para sair.

Mas na volta, como Marcello ainda não havia chegado, deixaram Júlia em casa e foram dar uma volta no quarteirão. Ansiosa e feliz, Anna não sabia o que fazer, onde enfiar as mãos... Já ia colocá-las no bolso, quando Mauro segurou seu pulso e depois desceu os dedos lentamente para entrelaçá-los nos dela. A menina sentiu um arrepio descer por sua espinha. O contato com a mão gelada do garoto disparou seu coração adolescente. Mal podia esperar pelo que viria a seguir!

Pararam na rua deserta dos fundos do cemitério. Mauro virou-a de frente para si e a encarou. Anna sentia o sangue martelando com força em suas orelhas, e se sentiu ridícula, como se ele pudesse ouvir sua pulsação descontrolada. O barulho parecia tão alto que ela se surpreendeu quando o rapaz falou baixo e, mesmo assim, conseguiu ouvi-lo:

- Anna...

- Sim?

Palavras não eram mais necessárias. As mãos de Mauro encontraram sua cintura, e as de Anna se acomodaram na nuca dele. Aproximaram-se mais, lentamente, e seus lábios se encontraram. A jovem temia que ele percebesse que era seu primeiro beijo, mas quando o garoto a abraçou perdeu o chão e as preocupações. Sentiu-lhe a boca úmida e fria, deliciosa, que parecia moldar-se na sua perfeitamente. No instante seguinte ele levou-a aos céus, tocando seu rosto com os lábios e seguindo pelo pescoço...

E, no tempo que leva uma batida de coração, ele a fez descer ao inferno.

A dor lancinante na jugular fez Anna lutar para libertar-se. Sentiu a carne sendo furada, as veias sendo rasgadas... A sucção dolorosa parecia fazer sair lâminas pelo ferimento; a sensação da língua morna em sua pele, forçando a ferida a se abrir mais, era quase obscena. Ele a segurava com força em seu abraço mortal, impossibilitando qualquer tipo de fuga. A menina pedia, em meio à nuvem de agonia, pela inconsciência...

Mas, quando seu pedido estava quase sendo atendido, ouviu um tiro. Uma voz masculina rouca sibilou, trêmula de raiva:

- Largue a menina, Whitney.

A dor parou e Anna foi ao chão. Suas mãos, já insensíveis pela perda de sangue, apertaram o pescoço. Luzes lampejavam diante de seus olhos, misturadas a pontos escuros que dançavam, impedindo que visse o rosto de seu salvador ou qualquer outra coisa. Ouviu mais tiros, e depois o silêncio tomou a rua novamente. Virou-se para a direção de onde a voz viera, e forçou a visão embaçada até conseguir divisar um rapaz todo de preto e com óculos escuros – algo no mínimo estranho, levando em conta que já eram oito horas da noite. Ele se vestia todo de preto, e mesmo não podendo confiar muito em seus olhos enevoados, tinha certeza de que o jovem teria, no máximo, uns vinte e dois anos. Depois de guardar a arma, o estranho agachou-se diante dela e tirou os óculos, fazendo Anna quase desmaiar de vez.

Seus olhos eram amendoados e felinos, e as pupilas negras se destacavam nas íris escarlate raiadas de vinho. Nos cantos dos lábios descorados entreabertos podia ver os caninos superiores alongados e pontiagudos. O rosto era de um róseo pálido, acentuado pelos cabelos negros lisos e despenteados.

Um vampiro.

- Fique calma, tá? – a voz era rouca, gelada, profissional, parecia a de um médico pronto para lidar com um câncer terminal no cérebro ou algo do gênero – ele já foi embora. Você foi mordida por um vampiro, não vai ter muito tempo de vida agora... Transmitimos um vírus mortal, vai te matar em menos de doze horas. Posso dar um jeito nisso, se quiser.

A dor fazia sua cabeça girar. Anna sacudiu-a para clarear as ideias e ouviu-se dizendo:

- Não.

- Garota, você não entendeu. Você vai morrer. Depois de horas agonizando e desejando a morte, você vai deixar de existir. Não estou brincando.

Ela ergueu os olhos cheios de lágrimas e determinação.

- Nem eu.

- Mas o que você acha que...

- Me torne uma vampira.

- O QUÊ?

Ele arregalou os olhos inumanos, a boca entreaberta de surpresa mostrando as pontas afiadas dos caninos. A menina o encarou. Raiva, ódio, rancor, determinação: nem sombra da decepção amorosa de minutos atrás. Com um olhar penalizado, o rapaz estendeu a mão para tocá-la. E ela segurou-lhe o pulso.

- Não. Eu não quero morrer. Não aqui, nem agora. Quero matar aquele desgraçado primeiro.

O vampiro olhou para a mão frágil, porém firme da garota. Pareceu pensativo por um instante. E cedeu:

- Tudo bem então. Levante-se.

Anna soltou-o, e dessa vez foi ele que a pegou pela mão, para ajudá-la. Quando ficou de pé, ela o olhou nos olhos, que lentamente passaram de rubros a castanho-claro. Estranhamente, não tinha medo.

- Eu sou Anna. Ou pelo menos era.

- Tenebrus. Seja bem-vinda ao inferno.



Esse é o primeiro trecho pronto do capítulo 1. Assim que a preguiça permitir vou continuar reescrevendo, revisando e postando, ok?
Bjos a todos...
=^.^=