terça-feira, 14 de setembro de 2010

Rest In Peace

Homenagem a uma personagem minha de Vampiro, que o babacossauro do Arthur teve a capacidade de assassinar :'(
R.I.P.

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O nascimento da loucura


A doutora Alex Raven corria desesperada. Seu jaleco chamuscado e manchado inflava-se às suas costas como uma vela ao vento. Ela chegou à porta de seu laboratório e parou, mão esquerda na maçaneta, mão direita sobre o peito. Cansaço. Dor. Inspirou o mais profundamente que pôde e entrou.

Ajeitou como pôde os cabelos negros, lisos e curtos. Endireitou os óculos sobre o nariz e olhou em redor. As gaiolas, ocupadas por todo o tipo de cruzamento estranho de animais (aos quais ela chamava carinhosamente de “minhas crias”) enchiam as prateleiras. Cheiro de animais e guinchos medonhos transformavam a sala num mini-zoológico dos horrores. Ela fechou os olhos azul-claros, quase prateados, e suspirou.

Eles não vão pegar vocês, meus filhotes. Vocês, meu trabalho de cinco anos, minhas pesquisas, vão todos para o inferno comigo!

Alex ligou seu computador, desativou o antivírus e inseriu um CD. Era um vírus potente, capaz de apagar todos os seus dados em questão de segundos. Logo a tela ficou preta, e ela soltou uma risadinha nervosa. Tirou o computador da tomada, pegou uma chave Philips no bolso e abriu o gabinete.

Foi até a bancada de experimentos, e pegou um tubo de ensaio com ácido. Despejou-o sobre o HD e a placa mãe. Mesmo que conseguissem neutralizar o vírus, jamais teriam acesso às suas pesquisas. Pegou um galão sob a bancada, sempre rindo nervosamente, quase histérica. Destampou-o, e o cheiro de álcool subiu forte no laboratório. Encharcou as gaiolas, seu olhos enchendo-se de lágrimas com os pios, guinchos e ganidos de suas cobaias. Era o único jeito...

Voltou para a bancada e começou a misturar reagentes químicos numa cuba de vidro. Ligou o bico de Bunsen e colocou a mistura sobre ele. Gargalhou alto. Não iam pegá-la jamais!

Com um último olhar ao laboratório, ela se virou e desceu as escadas correndo. Assim que pôs o pé no térreo, uma explosão sacudiu o prédio. Os vigilantes mal prestaram atenção à pesquisadora despenteada, afinal, era sempre a primeira a chegar no complexo e a última a sair, às vezes até dormia lá... e afinal, quem ia ficar ligando para uma louca que murmurava consigo mesma enquanto andava olhando a toda hora por cima dos ombros?


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Onze horas da noite. Sentada no banco do playground vazio, Alex olhava sem foco para o horizonte poluído de Nova Iorque. Mãos unidas no colo, balançava-se para a frente e para trás enquanto murmurava consigo mesma:

Meus bichinhos, meus pobres bichinhos... minhas crias, meus bebês... cinco anos de pesquisa no lixo... como puderam fazer isso comigo? Eu só queria consertar seus defeitos... melhorá-los... eliminar suas imperfeições...

Lágrimas escorriam por seu rosto vidrado. Mais um pouco e entraria em choque. Soluçou e enxugou os olhos na manga do jaleco encardido. Pegou cigarro e fósforo no bolso.

Minhas criancinhas... minhas infelizes criancinhas...

O primeiro fósforo quebrou-se. O segundo também. Conseguiu acender o terceiro, mas suas mãos tremiam tanto que ela se queimou e o cigarro continuou apagado.

Maldição...

Antes mesmo que acabasse de praguejar, surgiu uma mão pálida com um isqueiro antiquado aceso, e solicitamente a ajudou. A pesquisadora deu uma tragada profunda e ergueu os olhos para o homem de negro diante de si. Era uma figura, no mínimo, estranha. Cabelos totalmente brancos e despenteados destoando do rosto de, no máximo, 30 anos. Olhos muito escuros. E um sorriso... macabro.

Calma, criança. Está tudo bem.

Quem... quem é você?

Quer sabe quem eu sou ou o que eu sou?

...

Observo-te há anos, querida. Você é perfeita. Ousada, inteligente, não se deixa levar pelas opiniões alheias nem se deixa impedir pelos tabus. Achei tão divertido quando você tentou combinar DNA de humanos com o de aves!

Os olhos marejados da cientista encontraram os olhos frios e brilhantes do homem. Ele falava de um jeito estranho, como se fosse estrangeiro. Britânico, com toda a certeza, para ter aquele jeito antiquado de falar. E comentara sobre uma de suas experiências fracassadas mais perigosas, sobre a qual ninguém sabia...

Não se assuste, pequena Alexiel. Eu conheço você há tempos. Eu a vi nascer, criança. Eu a vi crescer, entrar na faculdade, vi o prazer em seus olhos ao ter um bisturi entre seus dedos pela primeira vez. Eu vi suas lágrimas de frustração quando foi ridicularizada. E vi o que você fez esta noite com suas pequenas crias.

Duas lágrimas silenciosas singraram o rosto já manchado de choro da cientista e caíram nas lapelas amareladas do jaleco. O cigarro escapou de seus lábios entreabertos e caiu. Um segundo antes de tocar-lhe as costas da mão apoiada na perna, foi apanhado pelo estranho homem. Melhor: materializou-se na mão dele, pois o sujeito sequer parecia ter se movido. Mas Alex não pareceu se dar conta disso. Ele prosseguiu:

Você se esforçou tanto. Você se doou completamente. Só queria o bem dos pobres animaizinhos, não é mesmo? Queria deixá-los mais fortes, mais inteligentes. Indestrutíveis. Perfeitos.

Os olhos dela se arregalaram. Não conseguiu conter uma risada aguda e demente, enquanto seu coração disparava e o sorriso parecia querer rasgar seu rosto ao meio. Finalmente... finalmente um seu igual...

É ISSO! Nenhum deles compreendeu. NENHUM! Eu só quero fazer as coisas melhores! O mundo está todo errado, será que nenhum deles vê? – riu novamente, mas pouco a pouco sua gargalhada foi se transformando em risadinhas nervosas e agudas. Intercaladas com soluços. E em segundos, caía numa crise de choro convulsivo. Socou os joelhos, irada – POR QUE NENHUM DELES VÊ?!

O estranho pôs a mão sobre a cabeça da garota. Ela foi serenando aos poucos. Em menos de um minuto só soluçava espaçadamente. Ele ergueu seu rosto úmido segurando seu queixo com dois dedos frios e sorriu.

Eu vejo, criança. Eu entendo. Você amava suas criaturas, assim como eu amo você.

Um pequeno sorriso surgiu nos lábios descorados e manchados de nicotina.

Você me conhece... conhece melhor do que qualquer um deles... e nós nunca nos vimos antes...

Você nunca me viu. Mas como eu disse, Alexiel, acompanho sua trajetória desde que você nasceu. Você foi minha escolhida, marcada desde o nascimento para ser minha cria. Minha única herdeira e filha.

Mas meus pais...

Foram os primeiros a rir e desdenhar dos seus sonhos, não? – ela assentiu com a cabeça – eu nunca farei isso. Juro pelo sangue, que é a única coisa valiosa para mim.

Ela ensejou um sorriso. O estranho segurou suas mãos nas dele e a fez levantar-se do banco. Mãos frias, geladas como as de um cadáver. Um arrepio desceu pela coluna de Alex, mas ela não sentiu medo. Suas lágrimas eram de felicidade. Tinha encontrado seu igual, sua alma irmã...

Venha, criança. Aceite o Abraço de seu pai imortal...

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Dor. Prazer. Sangue escorrendo entre seus lábios semiabertos. Lágrimas. Ela suspirou e deixou-se desfalecer nos braços de seu senhor. Aninhou-se junto a ele, que beijou o topo de sua cabeça com lábios manchados de vermelho enquanto a ninava. A fome rugia em seu íntimo e ela ansiava pela saciedade, mas ele lhe dera sangue o suficiente pra se dominar e não atacar o que visse pela frente. Alex recostou-se contra o peito frio do mestre e suspirou. A luz. O conhecimento que ansiara. Finalmente.

Compreende, criança?

Sim... agora eu... vejo.


Katialine Sales

07/08/2010

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