terça-feira, 13 de novembro de 2007

Pois é...

Então. Esse conto... várias pessoas já sugeriram títulos, mas eu não me decidi por nenhum. Acho que vou acabar por publicá-lo como "Sem Título", ha ha!



O tipinho já era velho conhecido: a calça jeans desbotada meio querendo ser justa mas sem ser, o tênis imundo, camiseta que um dia foi preta mas há muito tinha se tornado um cinza escuro demais (o desenho de Che Guevara no peito estava muito gasto, o vermelho já virando marrom) e a jaqueta de couro já tão surrada que mais parecia um jeans. Ele chegaria meio de mansinho, pediria licença, diria boa-noite. Falaria sobre música, aproveitaria o gancho para a política, e fatalmente soltaria "aquela" frase ("Hay que endurecer sempre, pero sín perder la ternura jamás!"), com um sorriso amarelado de nicotina e outras... "substâncias", cheio de duplos significados. Melhor pagar a conta e sair logo, pensei, quando o vi se levantar e vir na minha direção. Mas algo me fez ficar ali. Talvez as quatro doses de tequila, talvez o pontapé cinematográfico que meu namorado me dera há alguns dias, talvez o fato de que o estranho contrariou minha expectativas vindo direto e reto para a minha mesa. Sentou-se diante de mim, sem pedir licença.

- Também levou um pé-na-bunda, não foi?

A voz era meio rouca, profunda, combinando mas ao mesmo tempo destoando dos olhos castanho-claros. E eu tinha me enganado: os dentes que o sorriso revelou parcialmente eram brancos como leite.

- Como sabe?

Segurou minha mão direita e acariciou com o polegar a marca mais clara em meu dedo, onde a aliança tinha deixado sua assinatura na minha pele.

- Namorou por um bom tempo, pra ter ficado com marca de aliança.
- Pois é - puxei a mão, com um sorrisinho de desculpas - um bom tempo mesmo.
- Você o amava?
- Não sei.
- Mas ficou mal por ter acabado.
- Todo rompimento causa dor.
- Mas só amor verdadeiro deixa marcas.

Ele pediu uma bebida. Nos apresentamos. Brindamos a nada, eu com o restinho da minha quinta tequila, ele com uma bebida vermelha que eu nunca tinha visto antes. Mencionei Che Guevara, e ele riu. Era um anarquista convicto, e xingou furiosamente os posers que usavam a frase mais famosa do guerrilheiro em cantadas de quinta categoria.

Conversamos mais um pouco, sobre vários assuntos que eu adorava discutir, sobre assuntos que eu sequer sabia que me interessavam, assuntos sobre os quais eu não sabia quase nada mas acabava sempre encontrando a coisa certa para dizer já que era muito fácil conversar com ele...

Não sei ao certo quem sugeriu que conversássemos num lugar mais reservado, mas acho que fui eu. E quando dei por mim, estávamos na minha cama, no quarto da república, providencialmente vazio. Não chegamos nem a nos despir completamente, tamanha era a ânsia que tínhamos um do outro.

E foi bom. Muito bom. Comparado aos dois ou três namorados que eu já tivera, ele era incrível. Parecia adivinhar exatamente o que eu queria, onde gostava de ser tocada, o que gostava de ouvir. Céus, ele era perfeito! Não faço idéia de quanto tempo ficamos naquele jogo delicioso, erótico e sedutor, até nos entregarmos ao cansaço. Só sei que quando isso aconteceu, me deixei ficar sobre os travesseiros, exausta e subitamente deprimida. Eu não queria que acabasse. Queria que aquela noite continuasse para sempre, queria senti-lo junto de mim, dentro de mim, eternamente...

Mas se nos encontrássemos no dia seguinte, tudo seria diferente. Eu não estaria bêbada, ele não seria mais um estranho, não nos entregaríamos um ao outro tão completamente como naquela noite... mas ao mesmo tempo, eu não queria me despedir. Não queria que ele fosse embora. Não queria que os sussurros e gemidos daquela noite fossem as últimas coisas que ouviria de seus lábios...

- Cecília...

Olhei para ele, sentindo lágrimas nos olhos.

- Cecília, você me quer?

Assenti, devagar, sentindo que o que viria a seguir mudaria a minha vida. Ele se inclinou sobre mim. Beijou meu pescoço.

- Quer se tornar igual a mim, Cecília?
- Quero.
- É preciso aceitar a morte, amar a noite e querer o sangue.
- Eu aceito - o senti lambendo meu pescoço - eu amo - um beijo suave, trêmulo, sobre minha jugular - eu quero.

Senti seus lábios subitamente frios. Alguma coisa me dizia que aquilo não era certo, que eu devia correr e me esconder, que ele não era o que parecia...

Mas tudo foi sufocado por uma dor aguda, como se duas agulhas penetrassem meu pescoço, seguida de uma sensação ao mesmo tempo dolorida e prazerosa, quando os lábios e a língua dele acariciaram a ferida, o sangue jorrando entre nós, descendo por sua garganta, e ele acompanhava cada sensação que me invadia, como se o líquido que saía de mim levasse consigo aquele prazer quente, espesso e doce como chocolate, como se o sangue não alimentasse somente a ele, mas também a mim...

E acabou. Ele que rompeu o elo que nos ligava que por mim, percebi, aterrorizada, teria continuado até que minha vida se esgotasse. Lambeu os lábios sujos de vermelho. Seus olhos eram como brasas na penumbra do quarto, e seus caninos longos apareciam nos cantos da boca. Mas não tive medo. Ele levou a própria mão à boca, e perfurou a palma com os caninos. O sangue brotou. Pressionou o ferimento contra meus lábios. Não precisou me dizer o que fazer. Eu apenas... fiz.

E o ciclo que acontecera na hora em que ele me mordeu tornou a acontecer, mas dessa vez, ao contrário. Era eu quem roubava as sensações dele, e o sangue quente parecia queimar minha garganta, um fogo líquido que me saciava mas ao mesmo tempo me fazia desejar mais e mais e mais...


x-x-x

Eu acordei cansada. Estava na minha cama, com o meu pijama de ursinhos, e ouvia as minhas colegas de quarto roncando. A cabeça pesava eu eu sentia náuseas. Tinha passado da conta no bar, e sonhado com vampiros...

Peguei minha toalha e fui para o banheiro. Nem olhei direito para o bilhete no espelho, devia ser algum recado das outras meninas, provavelmente os meus pais tinham ligado. Tomei um nada ecológico banho quente de meia hora, e quando saí do chuveiro, peguei o papelzinho e o abri.

"Melhor não sair ao Sol, querida. Você está fraca, apenas compartilhou do meu sangue, ainda não fez nenhuma vítima. Nos vemos hoje à noite. Não me procure: eu te encontro.
"Vítor"



x-x-x

P.S.: A maioria dos meus chupadores de sangue pode sair ao Sol, desde que estejam bem alimentados. Para quem vier dizer que está errado, o Drácula aparece duas vezes de dia, no livro de Bram Stoker!

Um comentário:

Jessica Borges disse...

Poxa!
Esse conto já estava esquecido em minha mente de HD pequeno!
Gosto muito dele, apesar da minha perda de memória!
Vítor é um nome muito vampiresco, não é?