quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Fotinhos e conto

Esse conto foi o que me deu inspiração para o nome do blog. É um texto suuuper especial para mim, espero que vocês curtam! É a apresentação dos meus "filhos" favoritos (e por isso mesmo um pouco mimados). Com vocês...





Anjos das trevas





Tenebrus sorriu, ao ver a garota saindo do quarto. Ela tinha mudado. Não só na aparência, mas também por dentro. Aqueles olhos verdes, grandes e e sinceros não tinham mais aquele brilho inocente, meigo, infantil. Estavam opacos. Desiludidos. Tristes. Adultos...

- Já está melhor?

Ela fez que mais ou menos com a mão, e baixou o olhar. Era mesmo uma menina. Quinze anos incompletos, duas longas tranças negras emoldurando o rosto, as roupas emprestadas dele ficavam largas e pareciam deixá-la menor.

- Você precisa se alimentar.
- Não estou com fome.
- Eu não estou falando de comida.

A nova vampira o encarou, com um olhar em que se mesclavam desespero e tristeza.

- Você quer dizer... matar?
- Vem comigo.

O caçador segurou o braço dela, que se deixou levar para fora. Corredor, elevador, saguão. Tenebrus ficou aliviado por saber que a menina ainda não tinha desenvolvido a audição vampiresca, afinal, o próprio estava achando complicado ter que conviver com os cochichos:

- Ah, qual é, tá na cara que ele já catou a pirralha.
- Fala sério, daqui a pouco o cara vai atacar uma creche!
- Não duvido de nada, vindo desse aí...

Passaram pelo saguão sem ligar para os rumores, e tomaram o elevador para a superfície.

Assim que saíram na rua, ela respirou profundamente o ar noturno, e engoliu em seco. Tenebrus sabia o que era: ela não tinha saído do subterrâneo* por duas semanas desde que fora transformada, e estava sentindo pela primeira vez o aroma doce e sedutor de carne pulsante e sangue fresco, convidando-a ao toque, à prova, ao prazer...

É... acho que essa vai ser uma longa noite!

x-x-x

- Eu não quero fazer isso, Tenebrus.
- É a vigésima vez que você me diz isso, e é a vigésima vez que eu te respondo: Vai acabar fazendo isso mais cedo ou mais tarde.

Ela resmungou alguma coisa e sentou-se no muro estreito. Era estranho ver como seus reflexos, seu equilíbrio e seus sentidos tinham melhorado uns trezentos por cento nos últimos quinze dias. Não que no caso do equilíbrio fisseze muita diferença: com certeza ainda levaria aquele tombo na formatura, a caminho do palco para receber o diploma...

- Eu não quero.
- Mas precisa.
- Não.

Apoiou um dos pés sobre o muro, dobrando a perna, e abraçou o joelho. Era uma cena, no mínimo, inusitada para quem passasse logo abaixo, olhando para eles: um garoto de uns 18 anos e uma garota de, se muito, 16, empoleirados numa parede de cinco metros de altura, conversando, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo...

- Você não tem escolha, meu anjo.
- Tenho sim. Nunca ouviu falar em vampiras vegetarianas?
- Claro que não, porque elas não existem.
- Existem sim, você está olhando para a primeira delas.

Ele não pode fazer nada além de rir, uma sonora gargalhada:

- Você, vegetariana?! Com essa cara de quem ataca uma panelada de macarrão com molho de carne todo domingo? Sem essa!
- Mas como você...
- Seu cheiro - o vampiro afastou os cabelos que, tendo desprendido da trança, caíam sobre o rosto dela - Você tem cheiro de Nápoles.
- Meu avô era napolitano. Você conhece a Itália?
- Está tarde, é melhor irmos logo.

Tenebrus saltou para o chão, caindo de pé e sem um ruído como um fantasma. A garota deu um suspiro resignado antes de segui-lo. Pelo jeito, aquele vampiro aparentemente destemido e frio tinha cicatrizes que não deveriam ser tocadas.

Quando ela desceu, o rapaz sorriu-lhe e, apesar de não estar transformado, ela pôde perceber que os caninos retraídos eram muito mais pontiagudos que dentes normais. Estremeceu quando ele segurou seu braço.

- Vamos. Tá na hora de jantar.

Na falta de algo melhor para fazer, deixou-se conduzir por ele. Não queria "caçar", pelo menos não ainda, mas tinha que sair daquele buraco e andar pela cidade, ou enlouqueceria.

Tinha achado que, ao ser transformada, sua sua visão do mundo ia mudar completamente. Mas estava enganada. Estava quase tudo igual, a cidade continuava com sua mistura de neon e cinza-chumbo, as pessoas continuavam com caras de poucos amigos, o céu continuava azul-escuro, os prédios continuavam altos, o ar continuava pesado e cheirando a combustível queimado e poluição. Só que também havia certas diferenças. O azul do céu parecia mais intenso, o vermelho e o amarelo do neon pareciam mais brilhante, podia identificar o aroma de cada pessoa, os cheiros de perfume, suor e cigarro, que antes não sentia, agora estavam quase tão fortes quanto a fumaça de escapamento dos ônibus. E a escuridão em lugares como o cemitério em cujo o muro estavam sentados antes já não era problema: podia ver claramente, não no escuro, mas através dele, como se através de uma névoa ou de um vidro embaciado de vapor. Era estranho e maravilhoso e terrível e delicioso.

- Que tal é sair pela primeira vez, meu anjo?
- Ah... bom. Eu gostei.
- Já está pronta pra caçar?
- Não!
- OK, tudo bem. Vamos dar uma volta.

Começaram a andar pela avenida, Tenebrus segurando a mão dela. Os olhos claros da jovem ziguezaqueavam de um lado para o outro, com uma expressão ao mesmo tempo horrorizada e maravilhada. Ela estava apreciando sua nova condição, mas odiava o fato de que tudo aquilo teria que ser mantido às custas de sangue e mortes...

- Tenebrus, não tem outro jeito?
- Ahn?
- Não tem como um vampiro viver sem sangue?

O Caçador sorriu. A ingenuidade dela era comovente... era uma garota tão infantil e pura que dava vontade de corrompê-la.

- É impossível. Não se tem notícia, até hoje, de um único vampiro que tenha passado de livre vontade mais que dois meses de jejum. E a morte por inanição é o pior castigo que um vampiro pode receber. O máximo que eu já passei sem sangue foi dois meses, e quase morri.
- Quando foi isso?
- Um bom tempo atrás. Vem, eu vou te ensinar como se faz.

Sentaram-se num ponto de ônibus. Ela sabia que a noite ia alta, apesar de não ter relógio. Teve um estremecimento ao sentir um cheiro forte de carne e sangue, seu estômago doeu e se contraiu, e sentiu a língua sendo perfurada.

- AI!
- Pssssiu! São só os seus caninos, tem gente vindo aí. Toma, bota isso.

Enfiou os óculos escuros na mão dela.

- Mas por que...
- Seus olhos. Anda logo!

Ela pôs os óculos. Sabia o que tinha acontecido: os caninos vampíricos tinham brotado em sua boca, e os olhos tinham se tornado rubros. Vampira. Sua boca encheu-se de saliva, quando a dor na língua foi se amenizando e pôde sentir o gosto agridoce do próprio sangue.

- Tenebrus...
- Presta atenção.

Ela se levantou e olhou para os dois lados da avenida. Um casal vinha na direção deles, de braços dados, aos risos e beijos. Perfeito.

As vítimas se aproximaram. Os olhares deles se demoraram nos óculos escuros da vampira, que precisou se controlar para não mostrar os dentes e saltar sobre eles, abrir suas gargantas e se fartar com o sangue...

Os humanos sentaram-se. O vampiro olhou para a companheira de caça:

- Quer que eu vá primeiro?

Ela assentiu, e estremeceu quando os olhos dele brilharam e passaram do castanho-claro ao vermelho intenso. Tenebrus olhou para as vítimas e, sem aviso, saltou sobre a garota e segurou-a pela cintura com um braço, enquanto agarrava-lhe os cabelos, vergando o pescoço. Cravou os caninos na garganta dela e, antes que o namorado pudesse reagir, a garota já estava morta. O vampiro agarrou-o pelo pescoço com uma das mãos, fazendo com que sufocasse.

- Esse aqui é seu, meu anjo. Sirva-se.
- Não... - os olhos por trás dos óculos escuros se encheram de lágrimas - eu não posso...

Tenebrus já tinha voltado ao normal, mas ainda tinha manchas de sangue no rosto, isso sem falar no brilho feroz e assassino de seus olhos, que antes tinham parecido tão gentis, tão amigos...

- Eles não passam de humanos, amontoados estúpidos de sangue e carne, mais nada!
- Eu... eu... não posso, Tenebrus...

A garota olhou da humana morta no chão para o rapaz que se debatia nas mãos de Tenebrus. Os olhos do humano estavam saltados e desesperados, implorando misericórdia.

- ANDA LOGO!
- Não...

O vampiro enfureceu-se. Com uma pancada na cabeça, nocauteou o humano. Soltou-o no chão e foi até a companheira, que gritou quando ele a agarrou pelo braço. Levou-a até o rapaz desmaiado e a fez sentar no chão, apoiada numa coluna do ponto de ônibus. Puxou o mortal para perto, enquanto a mantia sentada. Com as unhas curtas e afiadas fez um talho na garganta da vítima. Empurrou o ferimento contra o rosto dela.

- Bebe logo!

x-x-x


Ela estava sentada sobre o muro. Duas longas trilhas vermelhas desciam de seus olhos, juntando-se no queixo. Lágrimas.

Só vampiros no limite do desespero choram sangue...

Tenebrus coçou a cabeça. Detestava esse tipo de coisa, ter que bancar o professor, ter que tomar conta de vampiros "recém-nascidos", ter que ensíná-los a caçar, depois ter que consolá-los até que se acostumassem com a idéia. Mas algo naquela garota o fazia querer estar ali, querer abraçá-la, querer protegê-la...

A maioria das vampiras, fossem nascidas ou transformadas, aparentavam ser anjos caídos, de beleza extrema, uma mistura de meiguice com sensualidade, olhos que faziam mil segredos, corpos que faziam mil promessas. Mas ela não era assim. Era tão doce e delicada, tão inocente, que mais parecia um anjo verdadeiro, de um quadro renascentista. Um sorriso franco que, mesmo deformado pelos caninos longos e ameaçadores, não deixava de ser encantador. Olhos que, mesmo quando se tornavam cor de sangue, não sabiam mentir ou dissimular. E mesmo quando matava não perdia essa aura, esse jeito, essa doçura. Era como o anjo da morte, que levava suas vítimas em silêncio e sem dor...

De um salto, alcançou o topo do muro. Sentou-se ao lado dela. Queria abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem, mas tudo o que conseguiu fazer foi colocar a mão em seu ombro e falar:

- Vem, Anna. Vamos voltar.
- Eu não sou mais Anna. - ela tirou o anel, dentro do qual estavam gravados seu nome e sua data de nascimento - Anna Carolina Gattai morre aqui e agora.
Jogou o anel dentro do cemitério, e Tenebrus sorriu. Não esperava outra atitude vinda dela.

- Bem, e como você vai se chamar agora?
- Não faço idéia. Me dá uma sugestão.

Uma imagem veio à mente do vampiro: um anjo de asas negras, longos cabelos escuros e olhos brilhantes como esmeraldas. Sorriu.

- Angel.

Um comentário:

Jessica Borges disse...

Ai ai...
Eu já disse que adoro o Tenebrus?
Poxa vida..
Kate, estou esperando por textos que eu não li.
Bjos